“Que veio como um tiro certo no meu coração (…) ”. Essa canção será interpretada em ritmo de Jazz pela mais nova dupla do pedaço: Leonardo e Mateus. Vos falo, caros amigos, do novo restaurante L’amour Bistrot Cabaret. O nome me soou um pouco cafona de início porque eu ainda não tinha compreendido toda a sua pertinência.
Conheci a dupla afinada de proprietários quando tive a intenção de realizar um aniversário no restaurante deles. Foi uma prosa tão deleitosa que mais encantada fiquei, antes pela criação, agora pelas criaturas. Vou falar aqui sob o prisma da minha realidade psíquica, absolutamente ficcional, no melhor estilo “O fantástico mundo de Bobby”.
Leonardo é sério e disciplinado, foi educado num fancy internato da Inglaterra exclusivo para garotos. Lá foi homenageado e recebeu a láurea acadêmica. Sempre fez de tudo pra viabilizar as coisas e fazer as pessoas felizes. É conhecido pelo codinome de “o ninja da mediação”. Tô nesse momento lendo o Leonardo e aí chega o Mateus, a segunda voz, não em ordem de importância, mas de pontualidade. Mexe, remexe… na cadeira e na conversa. Mateus por sua vez, tem TDAH e os pensamentos dele são mais rápidos que a capacidade de os expressar, como ocorre com a maioria dos gênios criativos. Ele e as suas perguntas infinitas (há relatos não confirmados, de um professor que foi parar no sanatório), põem por terra toda a evolução do acordo que eu e Leo tínhamos feito até ali. Esse é o Mateus, arte e energia em forma de cozinheiro.
O restaurante dos rapazes é novo, a identidade dele está em construção, e é esse, o exato momento para que toda e qualquer crise existencial possa vir à tona. Sociedade, nós já sabemos, é casamento sem sexo. E a dupla tem a consciência de que, se conhecendo bem e sendo fiéis ao que acreditam, chegará longe.
Desse encontro que acabou não resultando em negócio, vamos pular para o jantar e minhas impressões do lugar antes que eu escreva uma novela completa da vida dos personagens. A casa é biscoito fino. A louça merece destaque de maravilhosidade. Taças, talheres, toalhas, guardanapos, quadros, enfeites, decoração em geral; tudo com cara de roupa de ir à missa aos domingos. O bônus vai para a charmosa e perfumosa varandinha. Chegamos, eu e meu marido e fomos muito bem recebidos e acomodados em uma mesa (dentre as escolhas possíveis) de visão privilegiada. A mesa focava para o elevador de comida por onde sobem os pedidos e para a glutona aqui, melhor vista não há. Observei que os pratos só sobem, por mais tentador que seja, louça suja nunca desce. Ali é o espaço imaculado das criações. Dessa forma, passamos a noite à voyeurizar as refeições alheias.
Para entrada pedimos, motivados por uma destas visões, uma porção de hamburguinhos, pequenos e pujantes: hamburger de ancho, cebola caramelizada e maionese trufada. Delícia a cada bocada. Aí a gente segurou o entusiasmo e mesmo que em ordem inversa, quis conhecer o couvert da casa. Surge então uma pedra pintada de cores e sabores numa linda configuração que me fez lembrar do icônico Alinea de Chicago (vale googlar pra quem não conhece). Terrine, salmão, creme azedo, pastinhas, redução, telhinhas…um verdadeiro composê de delicinhas; os pães precisam melhorar.
Nesse momento, o trio jazzístico começa a tocar. Então se faz uma conexão cósmica imediata, conduzida pela voz macia e firme, sem nenhum maneirismo ou nota inconveniente da Adrianna (lógico que fui tietar a moça depois) com o meu coração, “frechado”! E eu que estava preocupada com o volume da música que mesmo sendo estupenda jamais pode competir com o som das conversas, me tranquilizei e fui no embalo. Tudo certo e em harmonia graças a um bom tratamento acústico, acredito.
Então é chegado o apogeu da noite; mas antes dele vamos pedir outro vinho. Não me julguem, mas em noites de esbórnia que se danem os bons modos! Depois de muito oscilar, arrepender e hesitar (por desejo de ter a fome e dinheiro abundantes para mandar descer todo o cardápio) elegemos os nossos principais: Pato ao tucupi, arroz de jambu, farofa paraense e molho de pimenta cumari pra ele. O marido que é cozinheiro dos bons, detalhista e crítico da muléstia, proferiu a sentença: “o melhor pato desse gênero que já comi!” E eu… eu nada! Boquiaberta, me calo seguindo a sábia sugestão do rei Juan Carlos, impactada pelo comentário dele.
Minha escolha foi o Arroz à Amado; um arroz feito com polvo, banana da terra e castanhas, banhados no leite coco e dendê. Vixe maînha… o sabor por garfada era maior que a densidade demográfica de Hong Kong. O polvo (ingrediente pegadinha), estava na nossa avaliação, fora do ponto. Esse molusco tinhoso tem dois pontos de cocção, o primeiro em torno de 5 minutos e depois só prá lá dos 40. No tempo curtinho tem-se a perfeição, depois fica fácil perder a textura.
A noite já estava doce por demais, então resolvi dispensar a sobremesa, mas ela não me escapará da próxima vez. Embriagada de sabor, música, beleza e álcool mesmo; avistei o cozinheiro maluquinho no salão e sem titubear, tasquei-lhe um abraço: Obrigada Mateus por todo L’amour ofertado (quando o vinho encontra com a admiração é terreno fértil para a impulsividade). Desejo a essa dupla consonante, Leonardo e Mateus, que esse bailado prospere e floresça, e que a casa possa fazer muitas pessoas felizes como eu fui naquela noite.
