Hoje, no dia X-Gama do confinamento voluntário, acordei com vontade de me sentir bonita. Vesti de paetê, fiz cachos no cabelo e passei batom bem “chegei”.
As nove da manhã estava toda montada e fui pra frente do espelho, compartilhar foto em troca do olhar do outro que confirma, lisonjeia ou mesmo recrimina.
Narcisismo, apontariam muitos. Não deixa de ser, vaidade melhor define. O vestir-se é um importantíssimo pacto social que nos categoriza e muitas vezes nos define sob o juízo do outro. É a forma que nos apresentamos no mundo, que por mais alheia que seja, envia códigos importantes na formação da nossa imagem.
Lembra de uma pesquisa que saiu há algum tempo, acredito que foi veiculada no Fantástico, que dizia que as pessoas usando uniformes passam desapercebidas ao ponto de se tornarem invisíveis?
Agora nesse momento de mundo, em que tudo está upside down (não é estrangeirismo, lembrei agora de Stranger Things com seu icônico e saudoso figurino oitentinha) a moda não passaria incólume. Foi atingida em cheio e precisa com muito cuidado e sensibilidade se recriar.
A Vogue Brasil se envolveu numa polêmica recente por trazer na capa comemorativa dos seus 45 anos, a uber Gisele, vestida de Prada e Chloé anunciando o “novo normal”.
Dona Vogue, pera lá! Não existe nada mais anormal que isso em se falando nas discussões atuais sobre moda. Uma mulher que preenche todos os padrões estéticos e já zerou pelo menos três encarnações de sucesso, vestindo marcas milionárias e completamente inacessíveis vai mesmo representar o novo normal de um mundo em frangalhos, tentando respirar?
Num momento que nunca foi tão importante discutir o protagonismo preto, a beleza multipadrão, o incentivo às marcas nacionais bem como o às pequenas marcas, a sustentabilidade dos modos de produção, justas condições de trabalho para os operários, que em muitos casos vivem em situações análogas à escravidão, mesmo que a indústria têxtil seja uma das mais lucrativas do mundo.
Numa boa, nada mais caído e cafona que isso, Vogue. O meu trocadilho do dia diria que a moda pelo olhar da Vogue é démodé. Se não vamos aprender nada com tudo que estamos passando, melhor rezar pro meteoro cair logo.
Nas minhas elucubrações diárias e delírios indumentários, uma coisa eu concluí (conclusão com nenhum compromisso de ser definitiva, belê?): chegamos ao fim de uma era das funções engessadas das roupas no nosso dia a dia. E se assimilarmos esses aprendizados, poderemos fluir nos espaços com muito mais liberdade. Não existe mais roupa de sair e roupa de ficar em casa. Não dá mais pra ficar guardando aquele vestido magnífico esperando uma ocasião especial. Especial é esse momento, são todos os momentos. Roupa de domingo, de ir ver Deus, desculpe, mas acredito que já foi. E não “tem que” nada. Faça o quiser, ou puder.
O que me interessa agora é vestir-se de mim. De me sentir bonita, confortável, poderosa, humorada, cat, escandalosa… em conformidade com o meu desejo. Deixando a influência de fora incapaz de dominar a fluência de dentro. Beleza sempre foi algo muito atraente e importante pra mim e a estética das coisas belas me fascina.
E isso não vai deixar de ser, mas terá certamente relações diferentes e novas construções na minha maneira de estar e me apresentar no mundo. A chavinha já virou dentro de mim, e como ouvi outro dia: pra trás, nem pra pegar impulso.
Assistindo à série que é um verdadeiro oásis de poesia, Todas as mulheres do mundo, me marcou especialmente uma frase dita pela personagem da Fernanda Torres, Estela:
“Um momento de beleza é uma alegria pra sempre”.
À frase tenho a ousadia de acrescentar: e fazer-se bela pra você, uma liberdade impagável.
