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Hanna Litwinski
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Hanna Litwinski

E o salário?

Posted on abril 8, 2022abril 8, 2022

Fui me aventurar num curso online de escrita cujo tema foi feitinho pra mim – disse Narciso – e de certa forma, dei com a fuça n’água. Explico. Achei que ia chegar chegando, me sentindo toda prosa e poesia, escorada numa almofada de plumas e dialética. Que nada. Quando vi, tava eu lá, vestida de Lady Gaga (modelito 2010) na jaula dos leões. A cada aula que passava mais encurralada eu ficava. E já que isso dá música ( Caça & Caçador, me julguem) aproveito o gancho pra dizer que o professor me lembrava muito o Fábio Júnior, o cantor do obrigaduu. Não pelo conteúdo (grazadeus), mas pela forma. Não, ele não se parecia fisicamente com o cantor. Viu como é difícil essa vida de escrevinhação? Fico aqui tentando deixar fluir o texto que já existe em mim e basta revelar, e você aí com essa cara de pouco-caso perguntando como assim.

O professor tinha um tique – na minha terra, o Peninha falava “diques” e a cada infração causava um mini infarto ao meu pai – de falar coçando a nuca. Coçava de um jeito charmoso, não como um “pisoríaco”. Falava e coçava, uma graça. O mestre articulava tudo muito bem, as palavras ajustadinhas, num fluxo perfeito, sem dar uma tropicada sequer. Quando a pessoa se comunica bem assim, me dá uma inveja pontuda. Acho que tem que escolher: ou fala, ou escreve bem. Os dois assim montados, acho covardia.

E as aulas foram transcorrendo de uma maneira formidável. A origem, os entornos da temática e suas transformações por séculos e séculos, amém. Acontece que começaram a surgir referências de cabedal muito graúdo pra minha tísica estrutura. De Doubrovsky à Coetzee, um passeio no jardim de Kierkegaard, estendendo a visita até la maison do pai Proust. Outros muitos, interessantíssimos, eu tentava anotar os nomes impronunciáveis pra mais tarde empilhar na minha torre de Pisa particular.

Me encanta a ideia de criar mais intimidade com os bambambãs de todas as letras. Também sei calcular o tamanho da besta que habita em mim, pago minhas sessões de análise pra ficar em paz com ela e pra estapear minhas lufadas de vaidade. Que não me apontem o dedo aqui, os que me conhecem e sabem da minha reincidência no ato ou defeito de corrigir um tropeço linguístico aqui e acolá. Não recebi alta do divã e tenho consciência de que cada sujeito exerce seus pequenos poderes gozosos.

O que de fato me deixou perturbada no caldo do curso, foi a ilustração batelada da alcateia (acabo de descobrir que se aplica também ao coletivo de leões) que me cercava. Os meus colegas de classe, já tinham lido de um tudo e, a qualquer sinal de inspiração mais profunda do Fábio, enchiam a tela de referências, citações, postais e fotos dos manuscritos do figurão em cartaz. Rapá… me lembrou Suassuna contando o caso da suposta mãe de Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Castro Alves, que tinha convicção de que os professores não tinham nível para educar os filhos dela. Se você ainda não assistiu à cena, clica aí: “Você já foi à Disney Suassuna”?

Ia começar esse parágrafo com outro Rapá, mas saquei que é porque acabei de voltar do Ceará e ele ainda não saiu de mim. O Ceará.

A aula se transformou numa espécie de rinha de galo do bago roxo e olhos carmim. A mãozinha pra pedir a palavra na tela compartilhada, estapeava de estralar alto a do oponente ao lado. Era uma disposição afrodisíaca de participação e performance que formaria um baita substrato pra mudar o rumo desse país desgovernado. O quadro que eu via era uma espécie de escolinha do Professor Raimundo às avessas, com todo mundo querendo puxar a cadeira do Nonato. Viu? O Ceará resiste.

A turma não estava mesmo para brincadeira. Tanto que um dia, fui elogiar uma colega que passara um batonzão e comia amendoins com o microfone aberto e tomei um vácuo que ressoa nos tímpanos até hoje. Besta eu. Porque leão nasce e morre majestade e a presinha cabrobó, que trate de recolher seu rabo, e só. Eles muito contribuíram para o curso, ao contrário de mim. Na despedida teve choro, vela e fita amarela. Me emocionei junto porque seja como for, é um sentimento brioso quando letras formam gente.

O processo todo foi e está sendo muitíssimo fecundo. Mexeu, bateu e valeu. Eu gosto de escutar o outro, de aprender e sobretudo de escrever. É aqui que eu me encontro, rumino e desmonto; e faço uso do meu curso de zona – na falta de finesse erudita – pra entreter um leitor mais distraído.

Meu muito obrigadaa ao Fábio e banda.

4 thoughts on “E o salário?”

  1. Mariana disse:
    abril 8, 2022 às 4:49 pm

    Adorei o texto Hanna e super me identifiquei, tenho feito o curso de escrita criativa da Aline Valek, fico felicíssima que seja online, porque unidade em temos como exercício mapear nossas referências, fiquei um tanto abismada como todo mundo tinha referências tão sofisticadas e renomadas. Muito boa sua comparação com história do Suassuna, é um dos casos dele que mais gosto!

    Responder
  2. Nagila disse:
    abril 8, 2022 às 5:50 pm

    Parabéns pelo curso Hanna, e em especial, saber que você seguiu no elenco “de Fábio e banda”.

    Isso nos faz mais fortes !!!!!

    Responder
  3. Nagila disse:
    abril 8, 2022 às 5:52 pm

    Parabéns pelo comentário e curso Hanna, e em especial, saber que você seguiu no elenco “de Fábio e banda”.

    Isso nos faz mais fortes !!!!!

    Responder
  4. Bruno Ramalho disse:
    abril 8, 2022 às 6:45 pm

    Sensacional!!!

    Responder

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