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Hanna Litwinski
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Hanna Litwinski

Lealdade (de verdade) só existe na mesa do bar!

Posted on novembro 22, 2021novembro 26, 2021

Era no século passado, eu fazia faculdade à noite e do lado da nossa casa tinha o bar do Zé, onde o marido pagava os créditos na escola da vida, que ensina muito mais.

Era um desses butequinhos de bairro com estufa recheada e um mercadinho desfalcado. A turma de sempre, presente. Tinha o Jorge, consertador de geladeira e de corações partidos. Com um sorriso largo, tratava de levantar a moral da turma quando tudo andava meio capenga. O Oliveira, mecânico graduado na arte da gambiarra a quem o conge deve boa parte de suas habilidades de Magaiver. O Sossego, torcedor do coelho que dispensa apresentações, sempre era feito de boi de piranha sem nunca se dar ao trabalho de levantar a pestana. Os outros não me lembro mais, mas a turma era ponta firme e muito organizada, ai de quem cabulasse aula sem uma boa justificativa.

O Zé era um sujeito branco e seboso que usava óculos grossos que lhe conferiam um quê do besouro da cobrinha azul. Usual no traje de gala: calção largo regata embaçada e toalhinha repousada no ombro. A toalha limpava a testa, as mesas, o suor das brahmas e desconfio que muito mais. Era um sujeito pacato que cozinhava desleixado e gostava mesmo é de ficar ouvindo a resenha alheia com a tranquilidade de quem não precisa cativar seu público.
Eis que certo dia, o marido já tinha deixado avisado que seria aniversário de casamento, que iria preparar o jantar da patroa e, portanto, não estaria presente na classe aquela noite. Justificativa justa, deliberaram. Eu voltei pra casa mais cedo pra melhor aproveitar meu dia de princesa. Tava fazendo um frio enjoado e o consorte pouca boca já tinha lascado o que lhe restava. Mulher esmerada que sou, tasquei-lhe um batom um tanto carmim para besuntar o que lhe restava dos lábios de mel.

O cardápio desenvolvido para a noite romântica pelejo, mas não consigo lembrar. Eu na sala, bebericano um martini provavelmente mais sujo do que o recomendado. Através da porta fechada da cozinha, afinal o segredo é a alma de todas as coisas, ouvia-se todo o esforço e barulhos possíveis, afinal esse negócio de ser o provedor é uma labuta bruta. Calhou de faltar um molho de tomate. Homens de modo geral, não são muito reconhecidos pela capacidade de atenção aos detalhes e na cozinha detalhes e planejamento são implacáveis. O leão da montanha tratou de achar a saída pela esquerda (também conhecida como porta de serviço) a fim de não deixar escapar um aroma sequer da complexa alquimia em construção.

Minutos depois retorna, adentra o recinto de amor desta vez pela porta da frente com o pacote superfaturado de molho de tomate em mãos. Antes que pudesse emitir qualquer som a casa é tomada por rajadas galhofas, escárnio deliberado, lágrimas, soluços e escapadas de xixi; tudo junto numa pessoa retorcida no sofá como se estivesse tendo uma cólica renal. Não precisava de tanto confesso, mas quem me conhece sabe que sou filha de Irene (aquela que o que faz de melhor é rir) e o escândalo na gaitada é marca indubitável da família.
O bichinho com cara de marido traído ficou ali parado no buraco negro da incompreensão até que conseguiu traduzir meus murmurejos engasgados entre rinchadas: …. você …… kkkkkkk ….. foi assim….papapapapá…. no Zé?!….. thubirubiru…..

Um espelho e um sonoro puta que pariu descortinou minha performance de hiena maconheira. No reflexo estava lá, incontestável e pulsante a boca borrada de palhaço burlesco ou de uma puta pós laboro oral fervoroso se preferir.
Nenhuma observação foi feita naquela noite diante daquela aparição. Um leve franzir de cenho do Sossego, apenas. Lealdade assim meu caro, não espere nem do seu cão; só existe mesmo é na mesa do bar.

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