Eu sempre fui uma consumidora muito ativa, pra não entrar em detalhes, classifiquemos como uma espécie de boderlaine do consumo compulsivo. Eu tenho, desde a vida toda, uma atração gigantesca (bem Alex Forrest) pelo universo da moda. E como todo ser humano que tá nessa toada, acabo sendo incessantemente bombardeada por vitrines, personalidades, insegurança, brilho, desejo de ser amada, brilho, tendências, mochila da Company, lifestyle, saia balonê, causar pro boy, tênis branco e afins. Fruto dessas e outras, acabei construindo uma consolidada carreira de cobiça e freguesia.
Moda/beleza/bem-estar/carrossel. Recorro à maga Fernanda Young, num trecho do seu livro sagaz e sensacional Pós-F (leiam!):
“A beleza é uma das armas das mulheres, uma arma muito potente, inclusive devemos reconhecer que o ser humano, precisa estar a serviço de tudo, o tempo inteiro. Tanto a mulher quanto o homem. Então, pensando agora no homem: você acha que o homem vai sobreviver, num contexto social, na sua relação com o mundo, se ele for mais bem-sucedido? A resposta é sim, e isso lhes é uma cobrança. Eles estão à serviço disso. Assim como a mulher está, querendo ou não, a serviço da beleza”.
A discussão é imensamente mais ampla que isso; o livro trata sobretudo do desejo de que num futuro não precisemos mais do feminismo para equalizar a balança. Que tão importante quanto equalizar é reconhecer, salientar e gozar das nossas diferenças (e a dialética delas) sem que estas sejam valoradas a partir de uma ótica maniqueísta. Batons e livros têm uma grande importância pra mulher que eu sou, e aprendi muito com a Fernanda, que não preciso escolher entre ser inteligente ou bonita. Essa é uma das armadilhas cruéis que nos são impostas, que mostra uma faceta do quanto ainda precisamos tão fortemente do feminismo.
Outro dia, a igualmente subversiva Thais Farage, consultora de moda e mulher empreendedora foda, lançou essa no seu Instagram, citando a divindade Virgínia Woolf:
(…) são os valores masculinos que prevalecem. Falando friamente futebol e esportes são “importantes”; a adoração da moda, a compra de roupas, “trivial”.
Eu ousada que sou, substituiria o trivial por “banalizada”, para intencionalmente, colocar a moda num lugar de menor valia. Ora, ora! O mercado da moda é um dos setores de maior envergadura e que mais movimenta bufunfa no mundo. Porque tratar com esse desdém e tentar estancá-la ao status de “coisa de mulherzinha”? Moda é um negócio sério e precisa ser ressignificada em muitas vertentes. Uma delas, urgentemente importante é o despertar para um consumo mais consciente.
Lembra daquelas roupinhas com etiqueta no fundão da sua gaveta, que em alguma situação Bino (“o patrão ficou maluco”, vi a colegata e achei que ia arrasar, precisava mesmo era de um colo) você comprou, nunca usou e sabe, (faz de boba não…), que não usará. Assume que dessa água não beberás que já é um passo em direção à sobriedade.
Quem nunca? Faz mal não; mentira pode fazer. A sacada é que sujeito e objeto ocupem seus devidos lugares, sem que este último precise funcionar como substituto ou consolo de nada. Estabelecer uma relação de sujeição à coisa, ao objeto que nos traz prazer (sejam compras, relacionamentos, comida, sexo) definitivamente não é legal, é a treva! Você já deve ter escutado por aí a expressão “escrava da moda”, não é? Isso literalmente te despersonifica. Quando o vínculo estabelecido não se encaixa mais no campo do prazer e começa a trazer encrencas reais e sensação de necessidade (ao contrário do que deveria ser vontade) é um beco com saída estreita.
Se estamos em tempos de muita cagação de regra, de “must have,” e influencers varejão (ou varejeiras); em contrapartida, nunca se discutiu tanto a questão de um consumo mais consciente, ético, inclusivo; a importância de reciclar, reutilizar, reduzir, de tirar o pé do acelerador e aproveitar o vento na cara ao invés de querer chegar primeiro.
A necessidade de um comprometimento (pessoal, comunitário, governamental, global) com raciocínios e atitudes visando saídas que gerem menos impacto ambiental, deveria ser prática de frequência similar à escovação de dentes que o brasileiro (exceção ao tipo adolescente) exerce.
Quem ainda não entendeu que o bicho tá pegando, que o planeta não tá “cabendo” mais dentro do planeta, que a gente sempre soube que os recursos nunca foram infinitos e estão avançando rapidamente para o status de escassos/cabô?
Isso não quer dizer que você precisa virar Franciscana, nem jurar castidade consumista. Mas passou da hora de PENSAR e PRATICAR condutas mais coerentes com a situação periclitante (acho essa palavra um pitéu) que vivemos. O título do filme que tá em cartaz no momento, é um clássico revisitado: “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Ocorre que Deus já deu uma mega apelada e tá (com toda razão) querendo ver o nosso vaidoso cirquinho pegar fogo; restando, portanto, o diabo (escutei a galera pedir Anitta?) e o sol. Um sol pra cada um, derretendo o planeta e nossa dignidade. Nossas fontes murmurantes secaram, o boi da cara preta já dominou geral e flatulências são o olor vigente.
Inspirada por uma galera fantástica, que se propõe a repensar a moda e desconstruir paradigmas esdrúxulos do tipo “é feio repetir roupa”, decidi pegar jacaré e abri uma loja de usados (se quiser gourmetizar chama aí de “second hand”, fia). Aliás nomear, que geralmente sempre é o meu primeiro estalo em tudo na vida, demorou para firmar, mas depois, circundou a rotunda e endireitou a rota. Explico.
Me faltava a maneira de definir e comunicar o meu recém-nascido negócio. Esse mercado de vender usados – que tem aumentado o volume, e penetrado em ondas grandes, sintonizado gente como Alexandre Birman e giga labels, Enjoos abrindo capital na bolsa – sempre foi associado à coisa de gentalha aqui no Brasil. E eu, carregada de estigmas, pensava com os botões da blusa que eu usava:
Bazar é coisa de igreja, doação de sobra, caridade. Brechó eu amo e frequento há bem tempo, mas passa uma ideia (pra geral mais careta, talvez) de naftalina e festa estranha com gente esquisita. A minha proposta não é necessariamente uma garimpagem; tá mais num tom de programa passa e repassa. São peças que já fizeram parte da minha história e do meu estilo, que seguirão uma vida longa e utilitaríssima, em companhia de outras pessoas.
Evoluindo no conceito, derrapei numa curva e quase caí no “it termo” do momento: desapego. Tudo bem você achar simpático o termo, mas me cai como um prato de feijoada antes de deitar. Primeiro porque não sou apegada a nada que seja coisa; tenho meus xodozinhos e tals…, mas apego; apego de vera, deus me livre! E depois, acho coisa de família quatrocentona falida que quer te convencer que é melhor negócio pra você do que pra ela, que está te fazendo o favor de te vender tamanha preciosidade, num generoso e altruísta ato de desprendimento. Pode ser nóia minha, mas ainda não aceitei bem a semântica.
Acho que tem que ser bom pra mim, pra você, pro mundo. Depois que eu sintonizei nessa estação, tocou no rádio do meu coração a seguinte canção:
Passei a prestar mais atenção e quase que intuitivamente fui aparando os meus excessos de consumo. Entrei pra uma tribo, e me embrenhei num universo no qual me deparo, constantemente, com um monte de projeto foda; bebo na fonte deles e visto orgulhosamente a linda camisa usada desses negócios/movimentos. É o suficiente? Não. Tenho zil condutas a melhorar, mas tenho a sensação boa de caminhar na direção certa e isso tem me trazido mais paz de espírito.
Aí o meu negócio acabou chamando loja mesmo. Loja porque é loja; que vende produto, uai! O “velho” que é o novo “novo”. Produtos com estilos ( no plural porque recuso a me restringir e tenho liberdade e prazer enormes em experimentar) e histórias que são compartilhados, em via de mão dupla, com as minhas clientes e seguem construindo outras narrativas. A Loja ficou Hanna Cat, @loja.hannacat (antes eu queria que se chamasse Lujinha, homenageando Dona Armênia – noveleiros entenderão – mas fui interditada). Hanna sou eu, prazer! Cat de Catarina, porque pertenço a um clã de nomes compostos e trocadilhos infames. Miau!
Te convido a experimentar comigo e reexaminar esse universo. Garanto que é uma viagem bem especial, embarque nela também. A seguir deixo uma listinha das pessoas com quem venho pegado carona nessa aprendizagem que é reapropriar da moda a meu modo:
@armariocompartilhado
@estiloassinatura
@eucrisguerra
@ligiabaleeiro
@repeteroupa
@acervo_53
@icamilagomes
@thaisfarage
@mourajo
@giovannanader
** quem mais? Acrescente a sua dica boa, bora engrossar esse caldo!

Interessante seu ponto de vista. A “era” realmente é da palavrinha “ressignificar”. Sou fã dela, rsrs…. Seu texto é bem assertivo, divertido e quebra as crenças limitantes. Você é Foda mana. Parabéns por ser “mutante” no construir e desconstruir, para se ter uma outra ótica. Bjs