Paula, a flor do amor

Tem coisas que atravessam como uma lança e dá uma estocada tão profunda que te faz perder a orientação. Uma dor lancinante feita de saudade com saudade. Saudade machucada e saudade de bendição. Só o que foi muito amado é capaz de disparar esse sentimento tão confuso e físico. Pra não sucumbir, escrevo.

No meio da tarde me chega uma imagem que eu vou tentar – certa do fracasso – descrever em todas as suas camadas de significações. É a foto da flor do amor, acho por bem chamar assim.

Há vinte e sete anos a flor do amor brotou na nossa rocinha chamada Mumbuka. No mesmo dia também nasceu uma menina linda, Paula, sobrinha do meu irmão. Então a flor do amor ganhou o nome da menina, e ano após ano surgia, espetaculosa, assim que outubro se anunciava.

A rocinha acabou e nos deixou histórias pra vida toda. Paula (a flor do amor, não a menina) tomou assento no Paiol, cafofo do papai lá na rua da Glória.  Antes do sol nascer e quando se despedia, papai regava seu quintal de Amores-perfeitos, Buganvílias, Beijos e colmeias de Hortênsias. E aguava Paula como quem nutre a vida, com fé de que mais um ano há de vingar.

E somaram-se muitos. Todo ano a alegria de ver Paula (re)nascer, banhada numa expectativa ansiosa de estreia, e também de continuação. Hoje, numa tarde boba, Paula chegou e me tomou. Chegou pelos olhos em alegoria, e desaguou neles em alegria.

Acontece que depois que papai resolveu sair dessa vida de fininho, como sempre foi do seu feitio, e o Paiol da Glória se desfez, nunca mais tive notícias de Paula, nem sequer pensei que existia.

Boba de mim que não sabia que Paula flor foi morar na casa da avó de Paula menina, e por lá se aninhou muito bem, adubada de amor. E floriu e sorriu, parindo mais um outubro. Um outubro estranho, que rouba pirulito da boca de Dalí, mas que vem nos provar que mesmo com o pesar de tudo; ainda é possível florir de amor.