Buenos Aires, 30 de dezembro de 2021 a 9 de janeiro de 2022
Capítulo 2
A incorporação de Scarlet começou já nos procedimentos de embarque. No balcão da companhia aérea, mostramos nossa documentação, certificado de vacinação, testes PCR, psicotécnico e de QI, porque como diria a profeta Dona Jura, viajar em tempos covidescos não é brinquedo não! O rapaz temendo uma crise de burnout daquele casal patético, avisou com voz de ninar que ainda era necessário preencher o formulário online de imigração do governo argentino. Dito isso estabeleceu o tempo da gincana: vocês têm 10 minutos para enviar os dados e receber a confirmação por e-mail , caso não cumpram nesse tempo temos que recomeçar o processo. 3, 2, 1: valendo!
Eu e Lê (chuga, lembra? Não vou mais ficar explicando, prestenção, pô!) nos colocamos de ladinho pra não atrapalhar outros viajantes mais safos e começamos a tarefa que só confirmou Dona Jura. 1.732 respostas depois, voltamos ao balcão e tocamos o sino. O rapaz pareceu dizer parabéns meio que incrédulo. Documentos por favor. Oi? Atá. Passaporte, passaporte. CADÊ MEU PASSAPORTE??!!!
Pânico. O filme que passa na cabeça naqueles segundos antes da morte já rodava os trailers. Procura daqui, abre mala, revira bolsa. Aquela dignidade adquirida em anos e anos de milhas se esvaia nesse exato momento. Lechuga conferiu o cantinho no qual cumprimos nossa prova e nada. Comecei a lançar olhares suspeitos sob as pessoas da fila, pra lá de impacientes para com o nosso desempenho vexatório. Fui no outro mundo. E depois rechecar o tal cantinho. Tava lá, no chão, o demônio do passaporte! A alegria foi tanta que nem da dignidade eu senti falta. Mas, não contudo, sem antes dar um devido pito em Lê, em alto tom, talvez para que acreditassem ser ele o motivo de tanto embaraço. O amor é lindo, mas nem sempre evita de lançar a culpa no consorte.
Depois, já refeita do pânico, na escala de São Paulo é que o Lé contou pro Cré que nada disso tinha sido ao acaso. Hanna, sua besta! Isso é a Scarlet se manifestando, deixa ela entrar. Pedi um hambúrguer com bacon e esperei a exu baixar. Bora!
Voando para o destino final, ainda não muito certa de quem eu era e temendo fortemente que outras personalidades se manifestassem. Esse negócio de abrir canais às vezes causa enchente. De gente. Se Scarlet já tava no comando eu não sei, mas temos gostos muito além de parecidos. Vinho no almoço, pede pra trocar a sobremesa por queijo. Outro vinho. Mais um…não, chega! Seja lá quem você seja.
Pousamos no Aeroparque uma vez que os aeroviários da Argentina haviam recém deflagrado uma greve fechando Ezeiza e quase tivemos o voo cancelado às vésperas. Sim, Scarlet também é atleticana, por suposto. Já desci sapecando na cara de todo e qualquer transeunte meu ¡Hola! ¿Qué tal? Pausa para um cigarrilho porque a partir daqui o portunhol dominará a narrativa, aconselho tomar um Dramin.
E aí fomos encarar a instituição mais mal-humorada e deselegante da Argentina: os taxistas. Angel Alberto Arcucci não nos decepcionou. Tinha recém fumado su cigarrilho, de maneira que ainda restava um rescaldo de fumaça para nosso deleite. Vidros abertos num calor insano. Eu nunca havia estado em BA no verão. Falarei mais sobre isso, é tenso. Voltando a Angel. Ele por força do nome talvez, me fez lembrar muitíssimo o policial, colega de Lisboa que arrastava um bonde por esta no seriado “Casa de Papel”. Só que nesse caso ele era Rachel, a gêmea má de Rutinha. O Angel era do capeta. Uma mão no cigarro imaginário (ou mocado) a outra na buzina. Palavrões ao vento, ultrapassagens de causar inveja à Schumi. Lechuga deu gorjeta com medo de tomar um mata leão. Eu não agradeci, o que pra mim já é uma ofensa e tentei segurar Scarlet que nesse momento já tava girando a sua pomba em altas rotações.
Ficamos hospedados no pico do pirulito deles, o obelisco. Suíte do Marriott Buenos Aires, nono andar. Muitas histórias essa ubicación há de contar. Vou ali e volto já.
Cata a dica de Cacá: os taxistas de Buenos Aires sempre tiveram má reputação. Acusados de passar notas falsas, adulterar o taxímetro e curtir com a cara dos brasileños. O governo decidiu botar ordem nessa bagaça. Agora você encontra, logo atrás do banco do condutor, um QR code que traz todos as informações e um número de telefone para denunciar más práticas. Deveria ter delatado Angel? Talvez fosse de bom-tom sugerir que ele fizesse um curso de etiqueta ao volante, uma espécie de Socila lhe cairia muito bem. Os preços das corridas continuam estupendos pra nós outros. Por cerca de 30 reais se chega a quase que qualquer destino. Como ficamos numa área muito central, praticamente tudo se resumia à cerca de 15 taôkeis.

2 thoughts on “SCARLET TRIP: A VIAGEM DE CACÁ PRA BA (cap 2)”