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Verdades a gosto do freguês – por Luciana Marques

Posted on outubro 2, 2020outubro 2, 2020

Há muito tempo queria escrever sobre o momento que vivemos. Tenho me sentido muito incomodada com a confusão que as pessoas vêm fazendo, sobre ter OPINIÃO. Mas me faltava lastro teórico para essa aventura. Precisava me ancorar em alguém com um “lugar de fala” mais respeitado.

 

Eis que, lendo o maravilhoso livro de Eliane Brum- “Brasil, Construtor de Ruínas – Um olhar sobre o país – De Lula a Bolsonaro” (Arquipélago Editorial), me veio a certeza que havia encontrado meu suporte. Numa das melhores partes do livro, ela discorre sobre os conceitos de pós-verdade e auto verdade. Achei lá as palavras certas, as explicações didáticas e bem desenhadas de tudo o que eu pensava.

 

É muito importante, antes de qualquer coisa, esclarecer que não há aqui, nenhuma crítica, é claro, à liberdade de expressão. É maravilhosa a liberdade de podermos nos expressar livremente e poder dizer o que pensamos. Mas precisamos, como imperativo ético, esclarecer a diferença entre ter opinião e criar uma verdade própria. O que a autora chama de autoverdade, cujo valor não está em sua ligação com os fatos, mas sim, na performance de quem fala, e principalmente, de como fala.

 

Temos duas questões importantes aí: Primeira – Quando se trata de questões técnicas, em que haja pesquisa e criação de conhecimento envolvido, NÃO TEMOS QUE TER OPINIÃO NENHUMA. Temos que estudar o assunto e aprender com quem pesquisa sobre.

Segunda:  Precisamos, acima de tudo, compreender o ponto de vista do grupo envolvido. Como branca, posso falar que na minha opinião o negro exagera sobre racismo? Como hétero e cis posso acreditar que a população LGBTQI faz mimimi de qualquer piada e acha que tudo é homofobia? O que eu sei sobre isso? Como o que eles vivem impacta em meu dia a dia?

 

Na turma que navega nesses mares, tudo aquilo com o qual o indivíduo não concorda, ele afirma ser uma ideologia. O respeito às questões de gênero se transformou em ideologia de gênero, a urgente causa do aquecimento global e destruição da Amazônia se transformou em coisa de esquerdista. Sentindo-se oprimidos por conceitos que não compreendem, criam suas próprias verdades e seu valor é medido pelo número de curtidas nas redes sociais.

 

“A verdade….se autonomiza, já que, ao se deslocar da realidade, ela não precisa mais dos fatos para ser verdade. E, ao mesmo tempo, a verdade se individualiza, porque é o indivíduo, é cada um, que vai decidir o que é a verdade.”

 

Não conseguiremos avançar nas discussões das questões que assolam nosso país se não tivermos uma base de verdade comum. Eliane usa um exemplo de uma simplicidade desconcertante. “Eu e você precisamos concordar que uma laranja é uma laranja. Se eu disser que uma laranja é uma cadeira, como vamos conversar? Podemos discutir, eventualmente discordar, sobre qual qualidade de laranja é melhor…..mas não podemos discutir se laranja é cadeira ou laranja. Ou não avançaremos em nenhuma das questões importantes sobre a laranja. Tudo que é relevante, como seu valor nutricional e a evidência de que os mais pobres não têm possiblidade de comprar laranjas….ficará bloqueado pelo impasse de o interlocutor insistir que laranja é cadeira.”

 

Mesmo que você não acredite na Teoria da Gravidade vai continuar preso ao chão e não levitando por aí. Não é uma questão de opinião, não há fatos alternativos sobre isso.

 

Eu não tenho opinião sobre os cálculos que o engenheiro faz para construir minha casa, qual tipo de argamassa o pedreiro vai utilizar. Quem tem a verdade sobre isso são eles. Eu não discuto com um cirurgião, que tipo de técnica cirúrgica ele vai utilizar, nada sei sobre técnicas cirúrgicas.

 

Não precisamos ter opinião sobre tudo. Mais do que isso, não devemos ter opinião sobre tudo.

 

Não bastasse a autoverdade criando realidades paralelas, ainda temos a seara do discurso de ódio, da falácia de usar uma conquista tão cara que é a liberdade de expressão para exercer o rancor, para expressar aquelas ideias que eram até então vergonhosas, mas que passaram a poder ser ditas, e o pior, passaram a encontrar quem as aplaudisse.

 

Quando tudo pôde ser dito, isso se confundiu, nas palavras de Eliane Brum, em autenticidade e “a perversão maior – com verdade”. A “minha opinião” muitas vezes é puro preconceito, disfarçado de bom senso.

 

“Compartilhado nas redes, o ódio deixou o lugar dos sentimentos que deveriam ser reprimidos em público e elaborados no privado. A ignorância deixou de ser um estado a ser ocultado e superado. Tanto ódio quanto ignorância passaram a ser ostentados – e ostentados orgulhosamente.”

 

Nesse cenário desanimador, penso que todos temos que estar atentos. Disseminar as fake News é a escolha dos que querem manter a realidade paralela, pois certamente terão algum ganho político, econômico ou de outra natureza. Mas omitir-se, não contribuir para esse debate é também tomar uma posição. Para além dos muros acadêmicos, onde essas discussões têm seu imenso valor, penso que nós, cidadãos leigos também precisamos falar, escrever, esclarecer, fomentar o debate nas redes já que é apenas nesse campo que turma da autoverdade habita.

 

Sigamos em frente!

 

Luciana Marques

 

5 thoughts on “Verdades a gosto do freguês – por Luciana Marques”

  1. Daniela Almeida de Oliveira disse:
    outubro 2, 2020 às 4:56 pm

    Belas palavras e verdades. Obrigada Lu!

    Responder
  2. Ana Cláudia Almeida disse:
    outubro 2, 2020 às 4:57 pm

    Excelente constatação! ??????

    Responder
  3. Liliana disse:
    outubro 2, 2020 às 9:05 pm

    Amei o texto. Quanta lucidez. Já querendo comprar o livro citado. Estudar, analisar os fatos por visões diferentes e bem embasadas. Prazer em conhecer Luciana Marques?

    Responder
    1. Luciana Marques disse:
      outubro 2, 2020 às 10:12 pm

      Oi Liliana, o livro vale a pena demais!!! Pode ler que da gosto! Obrigada pelo feedback! Abraço

      Responder
  4. Hermínio Prates disse:
    outubro 6, 2020 às 7:57 pm

    Parabéns! Você pensou com correção e escreveu com clareza. Esse é um texto para ser lido e conservado para próximas leituras e reflexões.

    Responder

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