Assisti ao filme “A Filha perdida” disponível na Netiflix, e como todos que são vivos, tenho muitas opiniões sobre ele. Não se passa incólume por esse filme (muito menos pela maternidade) e cada um sabe onde o sapato aperta.
Achei de uma beleza estonteante, cheio de simbologias que me foram permitidas enxergar mais claramente através da crítica primorosa da Isabela Boscov**. Aliás, fez uma enorme diferença assistir ao filme depois de ter assistido à análise dela. Recomendo fortemente que faça o mesmo. Tenho adorado recomendar “fortemente” é a minha mais nova mania que combinada com ironia fica ainda mais gostosa.
Estava ontem ouvindo no rádio o luxuoso Professor Pasquale se queixando do quão difícil está usar de ironia para se comunicar atualmente. E que ironia seguida de explicação é transar sem gozar. Isso ele não disse, mas acredito que concordaria.
Não entrarei na análise sobre maternidade/sensualidade/culpa/abandono/
carreira/sobrecarga feminina/trabalho invisível não remunerado e tantos mais que o filme retrata de maneira tão sensível. Outros muito mais capacitados já fizeram isso.
Quero na verdade fazer um pequeno recorte da maternidade, ilustrando com um conto que escrevi na minha cabeça enquanto obsevava uma cena comum da maternagem alheia. Eu olhava através do vidro da janela de um restaurante em Buenos Aires a seguinte cena: num prosaico domingo uma família almoçava. O pai se ocupando do bebê e a mãe de uma filha, que calculo eu, tenha por volta de uns 18 meses. O garçom traz os pratos como costumamos dizer aqui em casa, aquecidos para o seu próprio conforto.
A menina, como não podia deixar de ser, logo avança com sua mãozinha aflita sobre o prato. Nós descobrimos o mundo através das mãos e quando nos deixam em paz, através da boca que sempre será meu sentido predileto da vida. A mãe a intercepta de pronto, toda mãe é um pouco ninja. Fala e faz gestos indicando pra pequena que está quente. A criança em menos de dois segundos investe na segunda tentativa. O que seria da humanidade sem a rebeldia? Agradeço por ela e por todos nós mentalmente. A mãe dá-lhe um outro toco e comida soprada na boca, o que a distraí para sempre da intenção, uma vez que não existe nada mais absorvente que o mundo dos sabores, principalmente os fritos.
Nesse momento vem o conto na minha cabeça, preconceituoso e com um quê de absurdo assim como são todos os temas que atravessam a maternidade:
– A criança tenta tocar um prato quente pela segunda vez. A mãe argentina a repreende seguidamente e enche-lhe a boca para distração.
– A criança tenta tocar um prato quente pela segunda vez. A mãe francesa deixa e a criança não insistirá mais nenhuma vez, pelo menos durante aquele almoço.
– A criança tenta tocar um prato quente pela segunda vez. A mãe brasileira sopra o prato para que a criança possa tocá-lo enquanto a criança berra. A mãe acredita (fortemente) que quem não faz isso pelo seu filho é uma mãe desnaturada.
** https://www.youtube.com/watch?v=AP4kQN5lWMw

Maravilhoso
exato, ser mãe com certeza não é um ato de abandonar seus princípios e passar a viver o dos filhos, ser mãe é continuar a ser mulher apesar de ser mãe!!! ET: não é uma tarefa fácil!!!
E ai da mãe brasileira que ousa descumprir o protocolo nacional… Senta que lá vem julgamento, minha filha!
Hanna, gostei muito do seu texto que focou o filme e expressa seu escrito com o lado reflexivo, inteligente e cômico, com ironia arrojada e com graça ao mesmo tempo. Ficou interessante o seu foco numa cena cotidiana, familiar e comparação de mães de países diferentes. Gostei “fortemente “.